Ciência do solo em luto com a morte do pesquisador Djalma Martinhão Gomes de Sousa

Faleceu na tarde deste sábado (5), em Brasília (DF), aos 70 anos, por complicações decorrentes de uma leucemia, o pesquisador da Embrapa Cerrados Djalma Martinhão Gomes de Sousa. Na Embrapa há 45 anos, Djalma estava em plena atividade profissional. Ele foi um dos principais protagonistas no desenvolvimento de tecnologias na área de fertilidade e química do solo para a região do Cerrado, com destaques para correção de acidez superficial e subsuperficial, adubação com macro e micronutrientes, fontes alternativas de fósforo e técnicas de manejo de solo e fertilizantes estudadas em experimentos de longa duração com objetivo de aumentar a eficiência de uso dos nutrientes pelas plantas.

Graduado em Química pela Universidade de Brasília (1974) e mestre em Ciência do Solo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980), iniciou sua carreira profissional na Fundação Zoobotânica de Brasília. Foi contratado como pesquisador pela Embrapa em 1975, assumindo a supervisão dos laboratórios de análises de solo e tecido vegetal no então Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (CPAC), em Planaltina (DF). Nos anos 70 e 80, participou dos trabalhos pioneiros de pesquisa, conduzidos pela Embrapa em conjunto com Universidades e Empresa Estaduais de Pesquisa Agropecuária, que geraram as primeiras tabelas de interpretação da análise química do solo e recomendações de corretivos e fertilizantes para culturas anuais no Cerrado, com destaque para a soja, milho, arroz e feijão. A partir daí, abriu-se a possibilidade de exploração agrícola de alto rendimento no Cerrado.

Uma das tecnologias mais inovadoras desenvolvidas para a Região do Cerrado, onde Djalma atuou com grande destaque, foi a correção da acidez subsuperficial dos solos do Cerrado com a utilização do gesso agrícola. Com o desenvolvimento de métodos para diagnosticar as restrições químicas ao crescimento das raízes e estimativa das doses de gesso em função da capacidade de adsorção de sulfato das camadas subsuperficiais, a tecnologia do uso o gesso permitiu aos produtores maior produtividade e estabilidade na produção de grãos, com a maior eficiência do uso da água e dos nutrientes do solo pelas culturas propiciado pelo maior crescimento de raízes em profundidade. Permitiu também um destino nobre a esse insumo, subproduto da fabricação de ácido fosfórico, que se acumulava em montanhas em torno das indústrias de fertilizantes. Com experimentos mais recentes, Djalma mostrou ainda o significativo sequestro de carbono nas camadas subsuperficiais em resposta à sua melhoria e maior crescimento de raízes com o uso do gesso, com destaque para a cultura da cana-de-açúcar.

Outros destaques do seu trabalho de pesquisa vêm dos experimentos de longa duração em manejo da adubação fosfatada. Djalma já havia mostrado a importância da adubação fosfatada corretiva e que a eficiência de uso dos fertilizantes fosfatados nos solos tropicais intemperizados pode ser muito superior ao que tradicionalmente se apregoava, em sistemas integrados (culturas anuais e pastagens), e mais recentemente em sistemas de culturas anuais em plantio direto, atingindo até 90% de recuperação pelas culturas do fósforo aplicado na adubação.

Esses experimentos mostraram ainda a possibilidade de realizar a adubação fosfatada de manutenção a lanço sem incorporação no sistema plantio direto, agilizando a operação de plantio, o que foi validado por fundações de pesquisa e produtores do Cerrado. Tornou-se uma prática atualmente recomendada para solos com fertilidade construída e baixo risco de erosão, amplamente adotada na região. Recentemente, Djalma continuava em sua incansável busca por um manejo de fósforo sustentável, estudando a importância do fósforo orgânico em sistemas de produção intensificados, mas sem perder o enfoque prático que definiram sua carreira.

Graças à sua atuação interdisciplinar e genialidade, a pesquisa com bioindicadores para avaliação da qualidade dos solos agrícolas avançou a passos largos, sendo lançada no último mês de julho a tecnologia Embrapa BioAS de análise de solo, cujo processo de desenvolvimento Djalma participou ativamente.

O pesquisador Djalma Martinhão sempre teve uma visão aplicada ao produtor rural. Exemplo disso foi o livro “Cerrado: Correção do solo e adubação”, lançado em 2002, que se tornaria um manual obrigatório para todo agrônomo com interesse em manejar fertilidade de solos de Cerrado. Hoje, seria impossível contabilizar a extensão de área agrícola que é cultivada com base nas recomendações desenvolvidas por Djalma.Com 45 anos de trabalho dedicados à pesquisa em fertilidade do solo, Djalma atuou incansavelmente e com grande entusiasmo junto ao setor produtivo, divulgando e validando os resultados da experimentação realizada na Embrapa Cerrados. Nesse período contribuiu com inúmeras equipes e participou da formação de alunos de graduação e pós-graduação, sempre com entusiasmo e disposição para transmitir o conhecimento que, segundo suas palavras havia “recebido” como presente. Marcou a vida de muitas pessoas e através delas, contava com a continuidade de seu legado.

“Nesses 33 anos de convivência profissional com o Djalma, sempre me chamou a atenção o fato de que ele era extremamente rigoroso em relação ao método científico, desde o planejamento e condução dos experimentos, até a análise e interpretação dos dados. Ao mesmo tempo, ele tinha uma capacidade incomum de transformar o conhecimento científico em recomendações práticas para a imediata incorporação nos sistemas produtivos. Um patriota cuja contribuição para a agricultura tropical é imensa e incalculável. Uma grande perda para a Embrapa, para a ciência dos solos e para todos nós que tivemos o privilégio de conviver com ele”, enfatizou o chefe-geral da Embrapa Cerrados, Claudio Karia.

Premiações

O reconhecimento da relevância do trabalho do pesquisador veio também na forma de várias premiações ao longo de sua carreira. Destacam-se: o Prêmio “Franz Wilhelm Dafert” conferido pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo na ocasião da XX Reunião Brasileira de Fertilidade do Solo e Nutrição de Plantas em 1992, pelas tecnologias de diagnose e recomendação de gesso para correção da acidez subsuperficial; “Honra ao Mérito” conferido no IX Simpósio Nacional sobre o Cerrado e II Simpósio Internacional sobre Savanas Tropicais em 2008, por suas contribuições ao longo da carreira em prol do equilíbrio entre sociedade, agronegócio e recursos naturais no Cerrado; e mais recentemente o “Prêmio Pesquisador Senior” 2017 do International Plant Nutrition Institute (IPNI Brasil) conferido no XXXVI Congresso Brasileiro de Ciência do Solo em 2017, pelo destaque científico ao longo de sua carreira no manejo responsável da nutrição das plantas.

Consternação
Para além de sua competência profissional inquestionável e total dedicação ao trabalho, Djalma certamente também ficará marcado por seu enorme coração. “Por toda sua dedicação à agricultura na Região do Cerrado e também por ser uma pessoa com qualidades únicas, a notícia de seu falecimento nos deixa em profunda tristeza. Nos conforta a convicção de que ele estará eternizado por meio do seu legado, de sua paixão pela agricultura do Cerrado, e também pelos ensinamentos e lembranças do convívio que ficarão para sempre em nossos corações”, lamentou a pesquisadora da Embrapa Cerrados, Ieda Mendes.”Djalma foi uma dessa almas iluminadas que veio à Terra com a missão de dar uma grande contribuição para o desenvolvimento de tecnologias para a produção de alimentos aos brasileiros e ao mundo. Com certeza, ele cumpriu muito bem a missão que se propõs”, afirmou o pesquisador aposentado da Embrapa Euzébio Medrado.

“Convivi com o Djalma por quase 40 anos, vi sua trajetória, suas lutas, suas glórias, o quanto batalhou para ser melhor pessoalmente, pois profissionalmente ele já era. Graças a Deus ele conseguiu”, relatou a colega Julia Farias. Esses foram apenas alguns dos inúmeros depoimentos de colegas que ficaram consternados com a morte do pesquisador. “Lamento profundamente a partida do Dr. Djalma, um exemplo de profissional, que nunca se acomodou com o sucesso profissional. Comigo sempre foi muito amável e responsável com suas obrigações. Deus dê um bom lugar e conforte seus filhos e esposa”, lamentou a colega Shirley Soares.

Djalma também teve forte atuação na Escola de filosofia Nova Acrópole, onde era diretor, aluno e professor. Acreditava que a humanidade podia alcançar algo melhor e isso dependia apenas do esforço de cada um em prol do bem comum. Até o último segundo viveu e ensinou de acordo com essa filosofia. Djalma deixa a esposa Célia e dois filhos: Pedro Augusto e Maria Carolina. Ele foi cremado e, atendendo a um pedido dele, suas cinzas serão depositadas na fazenda da Nova Acrópole e nos jardins da Embrapa Cerrados.

Por: Embrapa

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