Mais atenção à agroeconomia

Valorização do produtor local e dos arranjos artesanais seria diferencial para o mercado externo

O Brasil precisa aperfeiçoar suas políticas agrícolas para tornar-se mais competitivo no cenário internacional e mais eficiente internamente. Com esse objetivo, membros do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da sociedade civil vêm preparando uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que deve ser entregue ao Senado até o fim de abril. Conforme a proposta, a atividade rural não deve se limitar somente à produção de alimentos e incluir atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras, aquícolas, florestais e de turismo rural, que integram cadeias produtivas de agroeconomia.

A ideia é tanto ousada quanto urgente: ajustar a Constituição de 1988 para corrigir falhas históricas e desenvolver protocolos que possibilitem o reconhecimento de pequenos produtores, em especial os denominados “arranjos produtivos artesanais”, permitindo que seus produtos possam ser inseridos legalmente nos mercados.

image[1]“Hoje, União, Estados e municípios são concorrentes. Se colocarmos na ponta do lápis, podemos dizer que o Brasil tem 5.114 municípios e o mesmo número de modelos e definições diferentes para a qualidade do alimento. Não há uma padronização. Isso dificulta a exportação, o abastecimento do mercado e vida dos pequenos e médios produtores, que não têm onde se orientar”, explica o alemão Udo Leibrecht, presidente da Bavaria-Tropic Organizations Amazonas, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

Consultor da Universidade Weihentephan-Triesdorf, do Estado da Baviera, na Alemanha, ele aposta que o mundo precisa do Brasil para ser abastecido. “E não estamos falando só de quantidade, mas também de qualidade. Se o Brasil falhar, automaticamente vai faltar confiabilidade por parte dos mercados”.

Há 28 anos no país, Leibrecht diz que o trabalho mais contundente – o embrião da PEC – para aprimorar a legislação começou em 2010, junto ao MPF e à Procuradoria Geral da República. “O Brasil não valoriza seus produtos, porque a legislação antiga não prevê isso. Ela é para garantir o abastecimento da população e mais nada. A OMC [Organização Mundial do Comércio] diz justamente o contrário: ela quer valorizar os produtos regionais porque sabe que isso faz o mercado mundial funcionar”.

Leibrecht ressalta que o Brasil também precisa avançar no que diz respeito ao Sistema Nacional de Defesa Agropecuária. “Muitos empresários já começaram a se mobilizar nesse sentido. Nossa ideia é fazer um sistema que valorize o produtor local”. Modelo semelhante foi desenvolvido ao longo dos últimos 20 anos, na universidade da Baviera, e hoje ele é recomendado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) por ser a metodologia mais eficiente e barata para que o poder público possa garantir a qualidade alimentar.

“Nesse sentido, a proposta é a corresponsabilidade da produção entre a sociedade e governos. A observação de toda a cadeia de produção e o controle da mesma pelos próprios envolvidos é o ponto-chave e o que torna o sistema mais eficiente e barato”.

Trabalho paralelo. Paralelamente à aprovação da PEC, outro passo seria a criação de oscips vocacionadas para cada região. Elas seriam auxiliares do Sistema Nacional de Defesa Agropecuária, autorregulamentando seus produtos e comprovando seu autocontrole junto ao governo federal.

Segundo Leibrecht, é preciso muita articulação para que esse sistema funcione. “Ainda temos muito o que avançar em alguns Estados. Minas tem vantagens, mas ainda estamos longe de ter uma inteligência estratégica.”

Acordos com a UE podem alavancar PIB

A União Europeia é o principal parceiro comercial do Mercosul, responsável por 20% do comércio total do bloco. Segundo a professora da FGV Vera Thorstensen, o acordo Mercosul-UE pode significar um crescimento de até 1,3% do PIB ao Brasil em 2030. Mas a pesquisadora critica a política comercial brasileira. Para ela, o país precisa desenvolver e buscar a inclusão nas cadeias globais de produção. “Estamos fora dos acordos preferenciais por causa de ideologia. Achar que o país pode viver só exportando para a América do Sul é um sonho”.

Baixa produção é erro estratégico

Hoje, o país registra uma safra anual de 209,5 milhões de toneladas, com crescimento de produção superando os 8% ao ano. Por trás desses números impressionantes está um importante ingrediente, capaz de compensar a esterilidade da terra nacional: 28 milhões de toneladas de fertilizantes, quantidade usada em 2015 para nutrir leguminosas, frutas e grãos. O problema é que cerca de 75% desses insumos têm origem estrangeira. Conforme cresce a safra, sobem também os números que prendem um dos pilares da economia brasileira à importação.

Sem uma política nacional para o setor, os produtores brasileiros têm poucas chances de conquistar a independência dos fertilizantes importados. “O governo zerou a alíquota da importação, e isso a estimulou. Isso foi feito para proteger o agricultor, mas causou um problema: a retração ainda maior dos investimentos na produção nacional”, ressalta José Carlos Polidoro, da Embrapa Solos, em entrevista ao “Correio Braziliense”.

Para ele, o problema dos fertilizantes é uma questão de segurança nacional. “Importamos mais de 90% do potássio que consumimos, e esse nutriente é muito exigido pela planta. Esse é um país que depende da agricultura, e não produzir fertilizante é um erro estratégico grande”.

Alemanha tem interesse em investir

Em agosto do ano passado, a chanceler alemã Angela Merkel esteve no Brasil com o objetivo de estreitar as relações entre as duas nações. A visita inaugurou um processo de “consultas intergovernamentais” entre os dois países, e, dessa forma, o Brasil entrou para um seleto grupo de parceiros mais próximos da Alemanha – a maior economia europeia só mantém esse tipo de relacionamento com oito países: França, Itália, Espanha, Polônia, Israel, Rússia, China e Índia.

Quando esteve no país, Merkel anunciou a criação de um fundo de € 500 milhões destinado às questões climáticas. Mas a chanceler também destacou que “grande parte das trocas comerciais com o Brasil dizem respeito à agricultura”, no tocante à produção de adubos, insumos e soja.

PPG 7. Esta não é a primeira vez que os alemães investem no Brasil. Em 1992, foi assinado um acordo de cooperação no âmbito do Programa Piloto da Floresta Amazônica (PPG 7), para fazer o gerenciamento da área através de manejos baseados no desenvolvimento sustentável. Naquela época, o governo alemão fez um investimento a fundo perdido de € 65 milhões.

“Financiamentos desta natureza existem”, diz Udo Leibrecht, da Bavaria-Tropic Organizations Amazonas. “Mas os produtores não sabem como acessá-los”. Segundo ele, esse tipo de dinheiro a fundo perdido não é restrito apenas à proteção de florestas. “Essas doações da Alemanha preveem também o manejo sustentável e podem ser destinadas às pessoas que vivem com os recursos de determinada região. Daí a importância dos produtos regionais, típicos. Na Alemanha, há um mercado premium para esse tipo de produto”.

Fonte: O Tempo

Por: JULIANA DAPIEVE GROSSI

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