Para novos frangos, novas dietas

O Presente Rural conversou com especialista para saber um pouco mais sobre o papel nutricional na produção do frango moderno, “sob fogo” pelas novas exigências do mercado
Arquivo/OP Rural

As dietas têm papel fundamental na evolução do ganho de peso do frango e, especialmente, na eficiência em conversão alimentar adquirida nas últimas décadas. A ave que antes demorava 80 dias para atingir 3 quilos hoje consegue isso na metade do tempo.

A Reportagem do jornal O Presente Rural conversou com a especialista Livia Grigoletto Barcellos, gerente de Desenvolvimento para Nutrição da Safeeds, para saber um pouco mais sobre o papel nutricional na produção do frango moderno, “sob fogo” pelas novas exigências do mercado, como a redução no uso de antibióticos promotores de crescimento. “O limite não existe”, garante a profissional.

O Presente Rural (OP Rural) – Qual o papel da nutrição na evolução do peso das aves nas últimas décadas?

Livia Barcellos (LB) – A evolução da produtividade da avicultura obtida nas últimas décadas é resultado da sinergia entre a nutrição, genética, modernas técnicas de manejo, sanidade e ambiência. Todas estas áreas tiveram grandes avanços científicos e tecnológicos que, em conjunto, possibilitaram que o setor atingisse o nível de excelência atual.

Especificamente com relação à nutrição podemos ressaltar que os altos índices produtivos alcançados atualmente são obtidos quando há um adequado fornecimento e aproveitamento dos nutrientes pelas aves. Portanto, existe a necessidade de constantes atualizações dos padrões nutricionais em função do potencial genético visando a obtenção do máximo desempenho de acordo com as exigências de mercado e com os objetivos da criação.

A nutrição representa cerca de 70% dos custos de produção, tornando muito importante que estejamos atentos a índices zootécnicos como ganho de peso e conversão alimentar, que impactam diretamente na lucratividade.

OP Rural – Exemplifique a evolução da conversão alimentar nos últimos anos.

LB – Na década de 80, por exemplo, tínhamos uma conversão alimentar de 2,0 e atualmente temos conversões de 1,65 ou até mesmo abaixo disso.

OP Rural – Quanto tempo um frango da década de 80 demorava para atingir 3 quilos e quanto tempo demora hoje?

LB – Na década de 80 um frango demorava em torno de 80 dias para obter um peso de 3,0 kg. Atualmente é possível atingir esse mesmo peso entre 40 e 45 dias. As empresas podem acelerar ou retardar esse tempo de acordo com sua estratégia ou necessidade.

OP Rural – O que mudou na dieta nesse tempo?

LB – Muita coisa mudou e vem mudando nas dietas dos frangos de corte nestas últimas décadas. A nutrição evoluiu muito nesse período. Algumas décadas atrás iniciou-se o uso de dietas com premixes vitamínicos-minerais. A partir daí foram e continuam sendo desenvolvidos muitos estudos sobre diversos aspectos específicos relacionados à nutrição avícola. Isto proporcionou avanços relacionados a determinação de exigências nutricionais das aves, programas de alimentação por fases, utilização do conceito de proteína ideal, melhoria da qualidade das matérias-primas, e uso de aminoácidos sintéticos, promotores de crescimento, aditivos, antimicotoxinas, dietas processadas, entre outros.

Recentemente as questões relacionadas aos resíduos ambientais gerados pela produção intensiva e a limitação da utilização dos promotores de crescimento na alimentação animal trouxeram a necessidade do desenvolvimento de dietas com novos conceitos. Assim, a nutrição está evoluindo para um novo patamar com o uso de enzimas, óleos essenciais, ácidos orgânicos, prebióticos, probióticos, entre outros.

Os nutricionistas têm o desafio de ajustar a formulação no sentido de não só explorar o máximo potencial de produção da ave, mas também buscar a melhor relação custo/benefício. O preço da ração varia em função dos custos de seus ingredientes e seus níveis de inclusão. Para atender as exigências das aves os frangos recebem diferentes rações de acordo com a idade. Um conjunto de rações fornecido a um lote de frangos é conhecido como programa de alimentação. Dependendo das características nutricionais de cada uma das rações que compõem o programa, os frangos desenvolvem-se de modo diferenciado. Essas diferenças fazem com que, em função do preço da carne do frango, um programa alimentar específico se sobressaia como o mais vantajoso em termos econômicos.

OP Rural – Qual o papel dos aditivos na nutrição?

LB – Aditivos são substancias, microrganismos ou fórmulas adicionadas intencionalmente, que não são comumente utilizadas como ingrediente, podendo ter ou não valor nutricional. Eles auxiliam o desempenho dos animais sadios ou atendem às suas necessidades nutricionais. Sua atuação pode se dar no sentido de melhorar as características dos produtos destinados à alimentação animal e/ou do produto final.

Os aditivos são classificados como tecnológicos, sensoriais, nutricionais ou zootécnicos. Em geral eles são utilizados com o intuito de melhorar índices zootécnicos, reduzir custos, melhorar a qualidade da dieta, economizar recursos, auxiliar na promoção da saúde ou melhorar/adicionar alguma característica do produto final.

OP Rural – Hoje uma dieta pode levar até quantos ingredientes?

LB – Não existe limites no número de ingredientes possível de ser utilizado em uma dieta. O que determina ou limita o uso de determinado ingrediente é sua composição nutricional, disponibilidade, qualidade e preço. Outros fatores não relacionados diretamente com a matéria-prima também são levados em conta para a decisão sobre sua utilização, como por exemplo as exigências nutricionais dos animais, existência de alternativas mais vantajosas, espaço físico na fábrica para armazenamento adequado do ingrediente e espaço na formulação.

As dietas para frangos de corte no Brasil são compostas basicamente por milho, farelo de soja, farinhas de origem animal (que podem ou não estar presentes), macro e microminerais, vitaminas e aditivos.

OP Rural – Explique o que são e como agem os principais ingredientes desse novo conceito em nutrição, como enzimas e óleos essenciais, levando em conta a redução de resíduos e redução no uso de promotores de crescimento que a senhora citou.

LB – As enzimas são substancias naturais envolvidas em processos biológicos que ocorrem nas células vivas. Atuam como catalizadores biológicos, aumentam a velocidade das reações químicas sem degradar-se. Quando utilizadas na nutrição, têm como função principal auxiliar na digestão, sendo que nas dietas de frangos os principais objetivos são melhorar a digestibilidade da dieta e reduzir custos, porém são diversos os benefícios que o uso destas trazem.

Os animais produzem enzimas endógenas, porém, estas muitas vezes não são suficientes para atuar sobre todo o substrato alimentar fornecido. Isto torna necessária suplementação com enzimas exógenas para que o animal aumente o aproveitamento dos nutrientes das dietas. A suplementação enzimática tem se tornado comum nas últimas décadas por proporcionar benefícios ao animal e ao meio ambiente, além de proporcionar ganhos econômicos para as empresas.

Dentre as vantagens da suplementação enzimática merecem destaque: melhora a digestibilidade de nutrientes; minimização ou eliminação de fatores antinutricionais dos alimentos; melhora do valor nutricional dos ingredientes; possibilidade de utilização de alimentos de menor qualidade nutricional; redução do substrato para o microbismo no trato gastrointestinal.

A partir da ação das enzimas obtemos a melhora da formulação das rações, uma vez que ocorre uma melhora na qualidade nutricional dos ingredientes e a redução dos erros na estimativa do conteúdo em nutrientes.  Como consequência, ocorre redução dos custos das dietas e redução do impacto ambiental gerado pelos dejetos.

As enzimas utilizadas na alimentação animal são produzidas industrialmente a partir da fermentação fúngica e bacteriana. As principais enzimas utilizadas são fitases, proteases, xilanases, glucanases, celulases, galactosidase, β mananases e amilases. A escolha das enzimas utilizadas depende do objetivo desejado pelo nutricionista e varia de acordo com a matéria-prima disponível e a fase do programa nutricional.

Fitases – O fósforo é um dos minerais mais caros, altamente exigido na dieta de não ruminantes e que participa no processo de formação dos ossos, de reações envolvendo gasto de energia e na formação dos ácidos nucléicos. A maior parte do fósforo presente nos grãos está ligada à molécula de fitato, o que o torna indisponível para absorção de animais não ruminantes. Desta forma, a utilização de uma enzima exógena (fitase) aumenta a disponibilidade de fósforo para os animais.

Carboidrases – As carboidrases atuam na degradação dos carboidratos que estão intimamente ligados ao valor nutricional dos grãos, que é limitado pelo teor de polissacarídeos não amiláceos insolúveis (celulose) e polissacarídeos não amiláceos solúveis (β–glicanos, xilanas e arabinoxilanas). Os polissacarídeos não amiláceos (PNA) estão muitas vezes associados à lignina, formando o conhecido “complexo total dietético de fibra”. As aves não apresentam enzimas endógenas apropriadas para degradar este complexo, portanto, níveis elevados de PNA aumentam a viscosidade do quimo, dificultando a digestão e absorção de proteínas, lipídeos e vitaminas lipossolúveis.

Assim, o uso de carbroidases possibilita utilizar alimentos alternativos que apresentam grande quantidade de PNA, os quais podem ser mais baratos em determinada época do ano, como o trigo, cevada, centeio, aveia e triticale. Dentro da família das enzimas caboidrases podemos encontrar xilanases, β-glucanases, pectinase, celulases, galactosidases e amilases.

Proteases – As proteases potencializam o uso de proteínas pobremente disponíveis, reduzem o efeito deletério dos fatores anti-tripisínicos presentes nos alimentos e reduzem a ação alergênica de algumas proteínas. Historicamente a proteína é um dos ingredientes mais caros da ração e nos últimos anos este custo vem se tornando ainda mais elevado com o aumento do preço do farelo de soja. Portanto, é crucial a melhora do aproveitamento da proteína pelo animal. Além disso, quando este aproveitamento é baixo, pode ocorrer condições propícias para o crescimento de bactérias indesejáveis, como, por exemplo, Clostridium sp.

Com a inclusão de proteases exógenas na dieta melhoramos a digestibilidade da proteína, complementando a ação das enzimas endógenas, através da hidrolise de certos tipos de proteínas que não são normalmente degradadas pelo animal.

Ácidos Orgânicos e Óleos Essenciais – Não há dúvidas de que promotores de crescimento são uma ferramenta importante para a avicultura, fazendo com que a busca por substâncias com esta função esteja no centro das preocupações da nutrição avícola. Atualmente existe uma tendência mundial pela restrição do uso dos antibióticos como promotores de crescimento na dieta animal, tornando o desenvolvimento de produtos alternativos a estes fundamentais para evolução da cadeia produtiva. Ácidos orgânicos e óleos essenciais possuem propriedades antimicrobianas e por isso vêm sendo cada vez mais utilizados na indústria avícola.

Os ácidos orgânicos na forma não dissociada têm a capacidade de atravessar a membrana citoplasmática das células bacterianas sem a necessidade de um transportador de membrana. Uma vez no citoplasma, os ácidos orgânicos se dissociam, liberando prótons e acidificando o meio, o que causa uma perturbação na homeostase da bactéria. O microrganismo, por sua vez, diminui todas as suas atividades não vitais, como a multiplicação, e dirige a maior parte de sua energia para reequilibrar o pH, bombeando os prótons através da membrana citoplasmática. A consequência deste processo é sua morte por exaustão.

Os ácidos orgânicos são ativos contra as bactérias apenas quando sua dissociação ocorre após atingir o citoplasma da célula bacteriana. Deste modo, é fundamental que estas substâncias estejam protegidas de forma segura até a região alvo onde se pretende reduzir a carga bacteriana patógena. Isto significa que para uma ação eficiente nas porções distais do intestino é necessário que os ácidos orgânicos sejam microencapsulados e sua liberação controlada.

A eficácia antimicrobiana dos ácidos orgânicos ocorre contra bactérias sensíveis ao pH, tais como o Clostridium perfringens, Escherichia coli e Salmonella sp..

Os óleos essenciais, por sua vez, podem apresentar propriedades antimicrobianas, antioxidantes, estimuladoras do sistema imune, antifúngicas, estimulantes de secreção enzimática, entre outras. Muitas pesquisas já foram realizadas sobre o efeito inibitório de óleos essenciais em diferentes populações bacterianas. Além do efeito deletério sobre a transcrição de proteínas na célula bacteriana, os óleos essenciais conseguem facilmente causar um distúrbio na membrana citoplasmática.

O uso associado de ácidos orgânicos e óleos essenciais produz uma ação sinérgica, não apenas aditiva. Isto ocorre porque os óleos essenciais, além de sua função primaria, atuam facilitando a entrada dos ácidos orgânicos nas células bacterianas.

O uso de associações de ácidos orgânicos associados a óleos essenciais é uma alternativa viável aos antibióticos promotores de crescimento e com excelentes resultados, pois tanto um quanto outro atua na dieta e na saúde dos animais, o que reflete na melhoria sanitária e de desempenho das aves.

Aditivos antimicotoxinas – Em todo o mundo, grande parte dos grãos apresentam-se contaminados por uma ou mais micotoxinas. Ao mesmo tempo, nem sempre é possível a realização de análises para a detecção de sua presença nos ingredientes utilizados na ração. Com a diminuição do uso de antibióticos o impacto das micotoxinas pode aumentar ainda mais, uma vez que possuem efeitos imunossupressores nas aves. Assim, a utilização de um bom adsorvente assume grande importância na manutenção da saúde e desempenho das aves.

Os aditivos antimicotoxinas são produtos que adicionados à ração adsorvem, inativam, neutralizam ou bio-transformam as micotoxinas. Atualmente existem vários aditivos antimicotoxinas presentes no mercado, porém alguns pontos devem ser levados em consideração para a escolha do mesmo: eficácia comprovada tanto in vivo como in vitro; taxa de inclusão efetiva; não interação com nutrientes; estabilidade em uma ampla faixa de pH (isto é necessário para que a micotoxina permaneça ligada ao adsorvente em todo o trato intestinal e seja excretada); alta afinidade pela micotoxina em questão, capacidade de adsorver a mesma; rapidez de ação e baixo nível de contaminantes.

Como as micotoxinas são absorvidas e metabolizadas no fígado, este órgão fica suscetível a sofrer lesões que prejudiquem seu funcionamento. Por isso, muitos aditivos antimicotoxinas, além dos ingredientes adsorventes, possuem em sua composição hepatoprotetores, que reduzem os efeitos oxidativos e melhoram a saúde do animal.

OP Rural – Além de nutrir para produzir carne, as dietas hoje protegem os animais contra desafios e ampliam sua performance. Explique mais sobre isso?

LB – Com as restrições ao uso de antibióticos promotores de crescimento nas dietas e as preocupações ambientais cada vez maiores, a primeira linha de defesa dos animais acaba se tornado a nutrição. A utilização de ingredientes livres de contaminantes, com alta digestibilidade e de qualidade acaba se tornado fundamental para uma avicultura rentável.  O uso de aditivos auxilia no alcance destes três fatores, além de auxiliar na saúde intestinal e imunidade das aves.

Então a nutrição atualmente trabalha no sentido de fornecer nutrientes para o desenvolvimento de todo o potencial do animal, melhorar seu estado de saúde e resposta imune.

OP Rural  As dietas ainda podem ser melhoradas ou a nutrição chegou a seu limite?

LB – Não chegamos ao limite, o limite não existe, a ciência está em constante evolução e estamos sempre evoluindo e nos aprimorando com novas tecnologias.

OP Rural – Quais são as novas linhas de pesquisa?

LB – Um sistema gastrointestinal saudável é importante para que a digestão e a absorção de nutrientes ocorram de forma eficiente e as aves demonstrem isso em seu desempenho e na resposta imune frente aos desafios diários normais sofridos durante a criação.

A saúde gastrointestinal das aves se refere à existência ao equilíbrio dinâmico entre a qualidade intestinal e a microbiota presente no intestino, assim como a ausência de toxinas. Um desequilíbrio neste sistema provoca enteropatias que podem comprometer o desempenho das aves. Linhas de pesquisas relacionadas à saúde intestinal devem se intensificar no intuito de continuar melhorando a digestibilidade dos nutrientes, aumentar o bem estar das aves e seu desempenho. Pesquisas no conhecimento e desenvolvimento da microbiota intestinal e na sua modulação, desenvolvimento precoce da mesma e da mucosa intestinal, estimulação da imunidade do animal para que ele responda melhor aos desafios de enfermidades e as vacinas com qualidade de resposta de proteção.

Muitas pesquisas ainda necessitam ser realizadas para melhor conhecimento da microbiota e de sua modulação.

Fonte: O Presente Rural

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