Quais são os fundos de investimento que lucram milhões com shows de sertanejos

Foi uma demonstração estrondosa da retomada dos shows no país. Com ingressos esgotados, Gusttavo Lima voltou a se apresentar na cidade de São Paulo, no começo de dezembro, após quase dois anos agonizantes para o setor, durante os quais o cantor precisou se contentar com as lives para se manter em contato com os fãs. O sertanejo arrebanhou mais de 35 mil pessoas para o Allianz Parque à frente do festival que criou em 2018, o Buteco. Com quatro horas e meia de duração, a apresentação do mineiro foi precedida pela de seis outras atrações – César Menotti e Fabiano, Bruno e Denner, Xand Avião, Sorriso Maroto e o duo de música eletrônica Dubdogz -, totalizando 11 horas e pouco de evento.

Foi também uma demonstração do enorme potencial de um negócio composto durante a pandemia por cinco empresários do setor e uma fintech. Falamos do fundo de investimento Four Even FIDC, que almeja lucrar com a compra e a venda de shows. De Gusttavo Lima, primeiro artista a aderir à novidade, foram adquiridos todos os 192 shows que ele pretende fazer até o fim de 2022, incluindo o do Allianz Parque. Pelo conjunto, o sertanejo irá embolsar, estima-se, cerca de R$ 100 milhões. É o equivalente, aproximadamente, a R$ 520 mil por apresentação, que o fundo se comprometeu a depositar na conta do cantor antes de cada novo show.

Como os gestores lucram? Com a venda das apresentações por valores maiores que os acordados. “Se vendermos um show por um valor menor, no entanto, vamos pagar exatamente o que foi combinado”, acrescenta Bete Dezembro, sócia do fundo e dona de uma conhecida produtora de shows de Manaus, a Fábrica de Eventos. Outra fatia do ativo pertence a Augusto Castro e Léo Góes, ex-sócios da On Line Entretenimento, companhia de Salvador que promove eventos musicais e gerenciou a carreira de artistas como o DJ Alok, o cantor Luan Santana e o próprio Gusttavo Lima. Castro é o atual empresário desse último.

Os demais sócios são Celso Almeida e Fernando Almeida, que comandam uma produtora em São Paulo batizada com o sobrenome deles, e João Paulo Fiuza, CEO da One7, a fintech ligada ao negócio – sediada em São Paulo, ela atua no mercado de crédito. “Pode ficar a impressão de que estamos tirando vantagem dos artistas que assinaram conosco, mas nosso objetivo é alavancar a carreira deles e tranquilizá-los para que foquem na parte musical”, afirma Fiuza. “Nenhum deles é obrigado a renovar conosco, mas com certeza os shows de todos vão valer bem mais daqui um ano.” O fundo também se encarrega de contratar seguros, inclusive de vida.

Do portfólio do Four Even FIDC também fazem parte a dupla César Menotti & Fabiano, o conjunto Sorriso Maroto e o cantor Junior Marques, que venderam todas as suas apresentações até o fim de 2022, e Clayton e Romário, Dubzdogs e Vintage Culture – estes preferiram abrir mão só de parte de suas turnês. “É um negócio tocado por especialistas do setor de entretenimento e que só vai apostar em artistas com grande potencial de crescimento”, informa Fernando Almeida. “Estamos em negociação com mais 14 nomes da música nacional, entre promessas e estrelas reconhecidas.”

Gerenciado pela gestora Contea Capital, o fundo, hoje fechado, deverá ser aberto para outros investidores no começo do ano – anunciado oficialmente durante aquele show no Allianz Parque, ele está em operação, sem alarde, desde março. De acordo com os últimos documentos entregues à Comissão de Valores Mobiliários, sua atual carteira soma R$ 112,1 milhões – é o valor relacionado aos shows adquiridos até aqui. E o objetivo é multiplicar essa cifra para R$ 200 milhões até o fim de 2022. “É uma meta bem pé no chão, pois se trata de uma proposta com crescimento exponencial e de um mercado muito pujante”, acrescenta Fiuza. As cifras investidas pelos sócios não são divulgadas.

Espécie de garoto-propaganda do fundo, Gusttavo Lima é só elogios para a novidade. “Traz tranquilidade para os artistas e deixa uma boa gordura para os investidores. Todo mundo sai ganhando”, afirma o cantor. “O lucro já no primeiro mês foi de 50%.” Ele conversou com a reportagem do Valor pouco antes de subir ao palco montado no estádio do Palmeiras. Durante a conversa, lembrou que muitos de seus pares sofreram com a falta de shows ao longo dos últimos meses. “Com esse tipo de fundo, comum em países como os Estados Unidos, o mercado de entretenimento não será o mesmo”, decretou.

O anúncio do Four Even FIDC precedeu em alguns dias a divulgação da venda do catálogo de Bruce Springsteen para a Sony por supostos US$ 500 milhões – a negociação não foi confirmada oficialmente. Em 2020, a Universal Music arrematou os direitos das canções de Bob Dylan por US$ 300 milhões. É três vezes mais do que a cantora Stevie Nicks, integrante do grupo Fleetwood Mac, amealhou ao passar adiante parte de sua obra, no mesmo ano, para a Primary Wave. Tina Turner, Shakira e Neil Young tomaram a mesma decisão – a aquisição de músicas de artistas como eles se deve, sobretudo, aos lucros trazidos pelas plataformas de streaming. Em abril, o compositor paulistano Toquinho cedeu parte dos direitos de obras e fonogramas para a Hurst Capital.

É um negócio totalmente distinto do proposto pelo fundo que a XP Asset criou em parceria com a Opus Entretenimento. Lançado em agosto, é exatamente igual ao Four Even FIDC. Os R$ 260 milhões de investimento inicial, saídos da Opus e do bolso de correntistas graúdos da XP, se traduziram em uma carteira que já vale R$ 270 milhões. “Com a venda dos primeiros 55 shows, obtivemos o retorno de R$ 10 milhões”, explica Filipe Mattos, chefe da área de alternativos/situações especiais da XP Asset e um dos formuladores do fundo, hoje fechado para novos investidores. “O desempenho está sendo melhor do que esperávamos.”

A Opus, que foi fundada em Porto Alegre em 1976, produz espetáculos, administra oito teatros e gerencia a carreira de alguns cantores, entre os quais Seu Jorge, Alexandre Pires, Maurício Manieri e Daniel. Todos eles entraram para o portfólio do fundo, que também amealhou shows de Leonardo, da dupla Bruno e Marrone, dos grupos Raça Negra, KLB, Só Pra Contrariar e Roupa Nova e dos DJs EME e Vintage Culture. Ao todo, adquiriu mais de 1,6 mil apresentações. Para o começo de 2022 está prevista uma nova rodada de investimento de cerca de R$ 100 milhões. O fundo tem prazo de validade de cinco anos.

Três fatores levaram a XP a tirá-lo do papel. A demanda reprimida dos entusiastas de shows após meses de pandemia é o mais óbvio deles. Também constatou-se a disposição atual dessa turma em abrir mais a carteira para ver de perto seus artistas favoritos e o bom andamento da vacinação contra a covid-19 no país. “Vimos uma oportunidade financeira e uma chance para aproximar o mercado financeiro do setor de entretenimento”, acrescenta Mattos. “É um segmento que ficava de fora da cesta de investimentos de muita gente.”

Para a Opus, esse fundo lhe permite ganhar dinheiro e ao mesmo tempo auxiliar a carreira dos cantores e grupos que agencia, além de incentivar a retomada do setor de que depende. “Compramos shows só de artistas consolidados”, diz Lucas Giacomolli, vice-presidente da Opus. “Não estamos fazendo, portanto, nenhuma aposta.” Ele não acredita que fundos do tipo vão mudar completamente a dinâmica de remuneração de estrelas do setor musical. “Muitos nomes devem continuar negociando suas apresentações por conta própria”, argumenta. “Mas com certeza criamos uma ferramenta benéfica para todos os lados envolvidos.”

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